segunda-feira, 31 de outubro de 2011

#TimeTwo

I

Fazia um bom tempo que não acontecia. Eu, sentada em um lugar qualquer, encarando fixamente o celular bem seguro em minhas duas mãos. Logo eu que nunca dei valor nenhum pra celulares. Ali de novo, nula a tudo ao meu redor. Liga, eu pensava. Me liga, por favor.
Nada. Liguei uma vez e ninguém atendeu. Liguei pro outro número, nada. Insisti. Parei. Lá estava eu encarando o celular e pensando: vai, me liga e acaba com isso, poxa. Liguei pra outra pessoa. Saudade. Matou e aumentou, tudo junto. Foi bom, mas não acabou com aquilo. Continuava ali no meu peito. Liguei pra outra pessoa. Saudade e.. "Já te ligo". Tá. E lá estava eu encarando o celular. Tocou. Será que é agora? Alô? Olha, ela lembrou de ligar de volta. Saudade. Matou e aumentou, tudo junto. Desligamos e continuava ali. É, não foi dessa vez.
Poderia ter ligado pra umas 15 pessoas. Revirei em saudades e fazia um bom tempo que não acontecia. Estava sentada novamente encarando o celular. Chega uma mensagem. Linda. Era a hora certinha pra fazer um pedido. "Me liga", pensei. Passou mais um minuto e, veja bem, depois de um minuto já não era mais a hora certinha. A hora certinha passa tão rápido.
Tentei de novo. Um número, outro número. Duas vezes. Poxa. Você realmente não vai ligar? Eu virava, me revirava. Se você tivesse ligado, eu teria falado uma meia dúzia de verdades engasgadas mesmo sabendo qual seria a sua resposta. Mesmo sabendo que você iria me fazer parecer uma pré-adolescente ridícula no final das contas. Tá, desligaríamos. Não, ainda não! Ainda não passou! Espera. E falaríamos mais um pouco e desligaríamos. O assunto esgotaria. E depois? Ah, droga.
Tirei os olhos do celular e percebi. Nossa, fazia um bom tempo que não acontecia. Percebi que conhecia bem aquela sensação camuflada por de trás de toda a situação. Não era o celular, não era você, não era ninguém. Que merda, que merda mesmo. Olhei ao redor e não havia nada ali que fizesse passar. Voltei os olhos para o celular. "Sinceramente, Brunna, quem, se ligasse nesse exato momento, faria essa sensação passar?" Ninguém. Não era com ninguém e você bem sabe. Nunca é. É contigo mesma.

II

Ainda bem que, sem que eu precisasse pedir, ela apareceu pra me abraçar. Possivelmente ele não ia passar naquele momento, mas aquele não era o tipo de sentimento que eu queria sentir ali, sentada, sozinha. Bem poderia, justo eu. Mas não queria. E eu achei linda a sintonia. A sintonia de saber que ela sabia exatamente o que eu queria, sem que eu precisasse pedir. Não pediria.
Ela me via e aquilo não me incomodava, bem pelo contrário. Achei lindo. Não sustentei nenhuma máscara, não vesti sorrisos ou armaduras; só me acomodei no ombro dela e fiquei. E ela me abraçou. Eu poderia até chorar sem me sentir desconfortável.
Quando eu quis olhar pros olhos dela, ela pediu que eu virasse. "Espera aí, essa fala foi minha ou sua?" Meus pensamentos, a boca dela. Me virei e percebi que, dentre tudo, era aquilo que eu achava mais lindo. Mais lindo que de alguma forma saber exatamente o que fazer, era realmente fazer. E ela sempre faz, com a naturalidade incrível de quem não espera absolutamente nada em troca. Faz como quem não se incomoda nem um pouquinho com as minhas fraquezas, complicações, tempestades e bloqueios. Como se ela gostasse de tudo o que faz parte de mim. Tudo mesmo.
Então ela disse que estava do meu lado e que é ali que vai ficar até que fique tudo bem. Que vai ficar. Que ela sabia que sim. O meu peito continuava doendo e eu sabia que só continuava doendo porque fazer aquilo passar não dependia dela. Se dependesse, ela faria.
Ela disse exatamente o que eu precisava ouvir. O que eu precisava ouvir desde menina, quando me escondia embaixo das cobertas nos momentos em que essas dores típicas grudavam no calcanhar. Doía, porque as vezes eu me douo. Porque essa sou eu. Mas de repente eu percebi que, com ela por perto, ser eu mesma me pareceu infinitas vezes mais confortável.

Tensão Pré-Mundial

"E se eu desmoronar, se não pudesse mais aguentar, o quê você faria?"

Ainda não consegui fazer absolutamente nada. Na verdade, eu meio que não tenho absolutamente nada pra fazer no momento. É que além do nada que eu tenho pra fazer, também não quero fazer absolutamente nada. Ouvir música, pegar o celular no bolso, pagar contas, comer, nada. Tá, eu tomei café. Dois, duplos. Não conta. Aí me pergunto: Como, mesmo sabendo que é tpm, isso consegue ser assim TÃO ruim? Nunca consegui entender. Olha que eu tento todo mês. Tento mesmo. Nunca sei se os "problemas" resolvem surgir nos piores momentos ou se eles sempre estiveram ali e só nessas horas eu me importo com eles. Não sei se esse final de semana doeu de um jeito mais profundo porque, bom, "doeu e era isso" ou porque eu já estava doída. Também não sei exatamente porque continuou doendo quando eu cheguei em casa. E quando eu deitei tão cansada que tive insônia, quando eu acordei com a sensação de não ter dormido por mais de dois minutos e tampouco porque continua doendo até agora. Malditos hormônios, maldita falta, maldita gripe, maldito aperto no peito, malditas dores, maldita vontade de não falar com ninguém, de me trancar no quarto e simplesmente parar de viver.

Outubro para #Peixes

Nesta fase ainda influenciada pela Lua Nova em Libra, você continua sentindo como se um tornado estivesse passando por suas emoções. As transformações e mudanças chegam uma atrás da outra e você muitas vezes acredita que não vai conseguir entender. A fase é de limpeza e esse movimento continua por mais uns 15 dias. A partir do dia 9, Vênus começa sua caminhada pelo signo de Escorpião, signo de água, compatível ao seu, o que traz muitos benefícios a você. questões relacionadas a viagens começam a fazer parte de sua vida e de seus planos.

Um relacionamento com alguém de outra cultura pode começar neste período, seja através de uma viagem ou não. Os estudos passam por um ótimo momento e principalmente a partir do dia 13 é hora de pensar naquela formação mais extensa que deseja começar a tempos. O momento é ótimo para novos conhecimentos, especialmente os que podem, em um futuro próximo trazer crescimento e expansão à sua carreira.

As viagens ganham um novo fôlego também depois desse dia, com grande chance de fazer uma viagem ao exterior. A partir do dia 23, o Sol começa sua jornada anual no signo de Escorpião, o que traz ainda mais benefícios para você. nessa altura, além de tudo o que foi dito acima ser reforçado por essa passagem, sua fé será renovada através de acontecimentos fora de seu controle. Alguém ou algum evento fará com que você comece a reavaliar sua fé e filosofia de vida.

A fase é ótima, carregada de otimismo, depois de um período de introspecção e crise. Marte continua no signo de Leão exigindo de sua energia, especialmente no dia a dia de trabalho. certamente neste período a demanda diária aumentou significativamente. Essa tendência continua até o final do mês. A fase é ótima também para começar um programa de exercícios e rever hábitos alimentares pouco saudáveis.

A saúde deve ser olhada com mais cuidado neste período, não por você correr riscos de algo mais grave, mas porque a fase é bastante interessante para programas preventivos. Se você for hipertenso cuidado com os picos de pressão que podem acontecer, assim como febres altas e indefinidas.

E se eu disser que foi EXATAMENTE assim?

quinta-feira, 27 de outubro de 2011




















Gripe, por favor me dá um tempo que eu tenho que fazer TCC?! Preciso aproveitar que hoje eu sinto que nem tudo está perdido.
A mente já andava exausta e o corpo resolveu acompanhar. O coração? Ah, meu bem, esse anda mais vivo do que nunca.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011




































Aí passaram três caras fumando um no meio da rua em plena luz do dia e se achando um máximo. Ficaram encarando já a 30m de distância e, quando chegaram mais perto, se deram o trabalho de interromper o assunto pra dizer: que princesa gostosa. Não é por nada não mas, olha, princesa e gostosa são dois adjetivos que não combinam muito entre si: caprichem mais na próxima. De relance eu ainda consigo ouvir a retomada do assunto: e eu vou mandar ela ir de minissaia curta, bem vagabunda, e ela vai, porque me obedece.

Saíram (graças a Deus, diga-se de passagem) do meu campo de audição. Vem cá, voltamos ao século passado pra homens nojentos acharem que mandam em alguma coisa? Que podre.

Mas, pra valer o caminho de volta, cruzo com um senhor contando histórias e tocando músicas lindas no violão em pleno centro da cidade. E realmente fez valer. Pra mim viver é uma questão de sentir, de entrar em contato. Essa é minha razão de escrever; é só por isso que escrevo.
Oi gorduras localizadas, vocês por aqui outra vez?

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Diálogo

"You got me wrapped around your finger.."
seguida por
"Fiz minha casa no teu cangote e não há nesse mundo o que me bote pra sair daqui.."

...Mas eu quis te dizer que eu sentia tanto, e que tanto era realmente muito. Quis falar sobre como é confortável me sentir em casa quando você está por perto e que, apesar da minha preguiça de fazer algum esforço pra parecer grande coisa, é bem isso que eu me sinto quando você esquece o resto do mundo e para os olhos em mim. E aí eu lembro do que eu vejo todas as vezes que me olho no espelho ou no reflexo de um vidro qualquer. Levanto a sobrancelha sem entender e me bate uma certeza de que você é absurdamente cega (e de que isso, definitivamente, explica muita coisa). Ainda assim, não gosto de pensar que um dia você pode simplesmente não se encantar mais com aquela-tal-coisa-vinda-de-seja-lá-onde-for-e-que-não-sei-porque-diabos-você-viu-em-mim na noite em que me conheceu.
E eu quis te falar sobre o quanto eu adoro andar de short, moletom, cabelo bagunçado, pés descalços e cara lavada. Que não é por mal que eu pareço um leão, mas, por mais que eu tente, o meu cabelo não me obedece nem com banda de música. E te falar que eu tenho andado viciada demais em café, chocolate e cigarros, que tenho matado a academia, que ando dormindo pouco e que isso tem feito um mal danado pra minha pele.
Quis falar que com você é diferente, como se você já não soubesse. E quis falar sobre como eu gosto do teu corpo excessivamente quente e sobre como eu acho engraçado você gostar dos meus pés gelados. Quem no mundo - além de você, é claro - gosta de pés gelados, afinal?
Meu Deus, eu ia ser piegas. Ia mesmo. Mas, por mais clichê que fosse parecer (e pode crer que pareceria), eu quis falar que o que eu sinto por você é novo. Um sentimento como nunca antes. E que eu sei que você sabe que é diferente, mas que, na verdade, é ainda "mais diferente" do que parece, entende?
Quis falar que eu não acreditava que intensidade poderia algum dia vir acompanhada de bonança. Mas antes que eu conseguisse juntar um punhado de palavras úteis e abrir um espaço suficiente entre os lábios pra deixar que elas saíssem, minha alma de pisciana inquieta atrapalhou. Ih, lá vamos nós de novo; pensei. Nós fomos.

Ela chegou, parou do meu lado, deu uns tapinhas no meu ombro e se apoiou irônica, debochada, irritante e insuportavelmente cheia de si:
- "Olha, eu aceito ficar."
Peraí, eu conheço bem esse tom!
- Esse tom é meu, alma. Meu e não vem com essa de chegar se achando a dona do campinho.
Parei.
Para tudo.
Me dei conta do que tinha acabado de escutar.
- Tá e você me fala isso "assim"? Com todo orgulho, pompa e circunstância? Assim? Como se fosse a coisa mais natural do mundo? "Oi, tá quente hoje, né?"
Silêncio. Ela adora me ignorar e me olhar com essa cara de "vai, eu sei que você não vive sem mim".
- Hey, alma, eu lá te perguntei alguma coisa? - Provoquei. - Como se alguma vez na minha vida você tivesse esperado até ser convidada antes de ir entrando, né?!
Alma que não tem jeito, essa. - "Não te deram educação, não?", pensei e fiz uma careta. Quem diabos, que não eu, deveria ter educado a minha própria alma, afinal? - Mas ela nem me deu ouvidos. Nunca dava. Espirituosa.
- Alma, escuta aqui: E eu? Onde eu fico nessa história? Que tal perguntar se eu quero entrar de cabeça, corpo e er, "alma"? Só pra variar, pra saber a minha opinião quem sabe? Tu e essa tua mania de chegar me invadindo e me roubando a paz, a concentração, o fôlego e o resto.
Ela estendeu a mão e fez cara de saco cheio. Aquela que mistura ai-meu-Deus-eu-já-ouvi-isso-antes, com dai-me-santa-paciência-e-troca-o-disco e para-com-isso-que-eu-te-conheço-melhor-que-você-mesma. Não fosse pela audácia da minha própria alma, eu teria xingado. Fiz silêncio e, atônita, esperei que ela falasse.
- "Eu não falei nada sobre entrar. Falei sobre ficar."
- Ficar? Aqui?
- "Não me escutou?"
Quase ri; "como essa alma é parecida comigo". Foi nessa hora que eu apontei na tua direção.
- "Ééé. Bem aí mesmo. É aí que eu fico."
Engoli seco e lembrei que precisava respirar. Ela deu um sorriso debochado, como quem diz "olha quem tá começando a pegar o jeito.. Quem sabe daqui umas 15 conversas desse tipo você já esteja realmente espertinha..." cheia de ironia nas reticências.
- "Se vira, Brunna."
O tom foi amigável, dessa vez. Aquele próprio de quem diz um "eu seeei que você vai colaborar".

Fiquei em silêncio e não te disse nada sobre tudo aquilo que eu tava pensando em falar. Sabe como é: minha alma fala demais. "Se vira, Brunna..." Pois sim. As reticências ecoaram vagas em meus pensamentos enquanto eu assistia a minha alma se afastar lentamente na tua direção. Você continuava transbordando em silêncio, me olhando com aqueles olhos de quem também parece ter algo a dizer e não consegue. Estava tudo quieto novamente.


segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Apneia

Lovesong - Adele

"Te espero, te gosto, te beijo, te amo."


Eu tinha muito pra dizer, mas tudo era silêncio. Como seria bom se você lesse pensamentos. Ou não - pensei. Palavras eu já não tinha nenhuma. Um bocado de tentativas e nenhum som. E não porque era vazio. E não porque era repleto de nada. Ao contrário. Era tão denso e tão completo que se tornou intraduzível. Era tão intenso que pesava, que puxava, que prendia. Você tomou meu vazio com as unhas e os arranhões ficaram latejando e ardendo dentro de mim. É esse o motivo do "eu te amo tanto que dói". Porque você arranha e lateja e ecoa e espalha e se espalha pelo meu corpo e pela minha cama e pela minha alma e pela minha calma a cada vez que eu puxo o ar. E fica difícil respirar. Porque dói imaginar como seria respirar sem você. E chega a ser meio brutal - porque dor é sempre dor. Dói porque você me rasga. Dói porque você é você. Dói porque você podia ser qualquer outra, mas não é. Dói porque orgulho dói, porque medo dói. E dói porque você é brutalmente linda. Dói porque eu te encontrei. E dói porque eu não consigo nem pensar em te perder.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Clima

"É primavera, te amo."


Você sorriu. "Vai ficar tudo bem." E ficou. O vendaval se tornou brisa de primavera, escapando e se esparramando por entre as árvores em fins de tarde furta-cor. Todo o outono floreou: cheiro de jasmin no portão da casa, açúcar mascavo no bolo de mel, arco-íris na mangueira, gosto de infância. Eu guardei o guarda-chuva, tirei a touca, as luvas, as botas e os casacos. Era inverno e fez-se um verão de súbito: suou, suei e você riu. "Imagina quando for verão." Minha vez de rir. Já é verão, meu amor. O sol tem brilhado todas as noites enquanto caem no chão a roupa e o pudor, revelando peles brancas marcadas de vida, de mordida, de arranhão. Joguei fora a armadura e agora tudo que eu uso são meus óculos escuros. "Trate de cuidar bem dos olhos". Do resto você disse que cuida. Eu acreditei e tudo ficou bem, muito bem.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

- (…) E o amor é sempre complicado. Mas, mesmo assim, os seres humanos precisam se amar, querida. A gente precisa ter o coração partido algumas vezes. Isso é um bom sinal, ter o coração partido. Quer dizer que a gente tentou alguma coisa.
- Meu coração se partiu com tanta força da última vez – falei – que ainda está doendo. Não é uma loucura? Ainda estar com o coração partido quase dois anos depois do fim de uma história de amor?
- Querida, sou do sul do Brasil. Sou capaz de ficar com o coração partido durante dez anos por causa de um mulher que nem cheguei a beijar.

Comer, Rezar e Amar

terça-feira, 4 de outubro de 2011



Ram Pan Pan Pan
Ram Pan Pan Pan
Man down

Oh, Mama
Mama, I just shot a man down.
In Central Station
In front of a big ol crowd.
Sou perigosa, sou macumbeira, eu sou da paz, eu sou do bem mas...

Pálpebras de Neblina

Fim de tarde. Dia banal, terça, quarta-feira. Eu estava me sentindo muito triste. Você pode dizer que isso tem sido freqüente demais, ou até um pouco (ou muito) chato. Mas, que se há de fazer, se eu estava mesmo muito triste? Tristeza-garoa, fininha, cortante, persistente, com alguns relâmpagos de catástrofe futura. Projeções: e amanhã, e depois? e trabalho, amor, moradia? o que vai acontecer? Típico pensamento-nada-a-ver: sossega, o que vai acontecer acontecerá. Relaxa, baby, e flui: barquinho na correnteza, Deus dará. Essas coisas meio piegas, meio burras, eu vinha pensando naquele dia. Resolvi andar. Andar e olhar. Sem pensar, só olhar: caras, fachadas, vitrinas, automóveis, nuvens, anjos bandidos, fadas piradas, descargas de monóxido de carbono. Da praça Roosevelt, fui subindo pela Augusta, enquanto lembrava uns versos de Cecília Meireles, dos Cânticos: "Não digas 'Eu sofro'. Que é que dentro de ti és tu? / Que foi que te ensinaram/ que era sofrer ?" Mas não conseguia parar. Surdo a qualquer zen-budismo, o coração doía sintonizado com o espinho. Melodrama: nem amor, nem trabalho, nem família, quem sabe nem moradia - coração achando feio o não-ter. Abandono de fera ferida, bolero radical. Última das criaturas, surto de lucidez impiedosa da Big Loira de Dorothy Parker. Disfarçado, comecei a chorar. Troquei os óculos de lentes claras pelos negros ray-ban - filme. Resplandecente de infelicidade, eu subia a Rua Augusta no fim de tarde do dia Tão idiota que parecia não acabar nunca. Ah! como eu precisava tanto de alguém que me salvasse do pecado de querer abrir o gás. Foi então que a vi. Estava encostada na porta de um bar. Um bar brega - aqueles da Augusta-cidade, não Augusta-jardins. Uma prostituta, isso era o mais visível nela. Cabelo malpintado, cara muito maquiada, minissaia, decote fundo. Explícita, nada sutil, puro lugar comum patético. Em pé, de costas para o bar, encostada na porta, ela olhava a rua. Na mão direita tinha um cigarro, na esquerda um copo de cerveja.
E chorava, ela chorava. Sem escândalo, sem gemidos nem soluços, a prostituta na frente do bar chorava devagar, de verdade. A tinta da cara escorria com as lágrimas. Meio palhaça, chorava olhando a rua. Vez em quando, dava uma tragada no cigarro, um gole na cerveja. E continuava a chorar - exposta, imoral, escandalosa - sem se importar que a vissem sofrendo. Eu vi. Ela não me viu. Não via ninguém, acho. Tão voltada para a própria dor que estava, também, meio cega. Via pra dentro: charco, arame farpado, grades. Ninguém parou. Eu, também, não. Não era um espetáculo imperdível, não era uma dor reluzente de néon, não estava enquadrada ou decupada. Era uma dor sujinha como lençol usado por um mês, sem lavar, pobrinha como buraco na sola do sapato. Furo na meia, dente cariado. Dor sem glamour, de gente habitando aquela camada casca grossa da vida. Sem o recurso dessas benditas levezas de cada dia - uma dúzia de rosas, uma música de Caetano, uma caixa de figos. Comecei a emergir. Comparada à dor dela, que ridícula a minha, dor de brasileiro-médio-privilegiado. Fui caminhando mais leve. Mas só quando cheguei à Paulista compreendi um pouco mais. Aquela prostituta chorando, além de eu mesmo, era também o Brasil. Brasil 87: explorado, humilhado, pobre, escroto, vulgar, maltratado, abandonado, sem um tostão, cheio de dívidas, solidão, doença e medo. Cerveja e cigarro na porta do boteco vagabundo: carnaval, futebol. E lágrimas. Quem consola aquela prostituta? Quem me consola? Quem consola você, que me lê agora e talvez sinta coisas semelhantes? Quem consola este país tristíssimo? Vim pra casa humilde. Depois, um amigo me chamou para ajudá-lo a cuidar da dor dele. Guardei a minha no bolso. E fui. Não por nobreza: cuidar dele faria com que eu me esquecesse de mim. E fez. Quando gemeu "dói tanto", contei da moça vadia chorando, bebendo e fumando (como num bolero). E quando ele perguntou "porquê?", compreendi ainda mais. Falei: "Porque é daí que nascem as canções". E senti um amor imenso. Por tudo, sem pedir nada de volta. Não-ter pode ser bonito, descobri. Mas pergunto inseguro, assustado: a que será que se destina?

Em: Pequenas Epifanias

Se é possível dizer que há um "melhor texto de Caio Fernando Abreu", me arriscaria a dizer que é esse.
"Nenhuma luta haverá jamais de me embrutecer, nenhum cotidiano será tão pesado a ponto de me esmagar, nenhuma carga me fará baixar a cabeça. Quero ser diferente. Eu sou. E se não for, me farei." CFA

Menina

"Aonde você mora, aonde você foi morar?"

É, menina. De você, eu herdei coisas poucas e irremediáveis. Herdei essa mania incorrigível de fumar com apenas um dos pés no chão. De observar o céu sem perceber se chove ou faz sol, daquele meu jeito totalmente absorto em pensamentos, emoções e desejos espremidos, queimando pouco a pouco por entre os lábios e as pontas dos dedos. É, essa é realmente uma das poucas coisas que eu herdei de você, menina.
Herdei também esse desejo insaciável e incontido por um café preto, doce, excessivamente quente e quem sabe até "meio ruim". Um café servido entre travesseiros e lençóis, com a luz invadindo o quarto pelas frestas da cortina e beijos vagarosos de um "bom dia" sem nenhuma pressa.
Mas não é nenhuma dessas heranças que me incomoda no final do dia, menina. O que me incomoda mesmo é ter herdado essa esperança insistente, invencível e quase infantil de que contos de fadas não perdem a magia depois de soar meia noite, desde que, até o dia amanhecer, o teu corpo não se desenrosque nem por um segundo do meu.
"Porque um dia ele volta. Ou você o recria, o encontra naquela esquina desconhecida, naquela guria bonita que você cansou de não notar. É a única serventia da fé quando só se consegue acordar de sonhos lúcidos. Eu sei que ainda tenho um corredor inteiro menina, mas acredito. Acredito quando somos só você e eu. E acredito que esta vida ainda tem muita coisa bonita, simplesmente porque comecei a acreditar. Em ti, em mim, em nós e nesta coisa bonita que nasce, que renasce a cada dia, em cada manhã de sol (ou de chuva) que te vejo, que te tenho. E eu, logo eu, que quis tanto carinho, paixão, preoucupação, aventura, luxúria, colo, tesão, proteção, beijo, abraço e maravilha, achei tudo no mesmo ser, tudo em você. Basta olhar. Basta um sorriso comedido, uma meia dúzia de palavras banais e você me ganha, me leva, me atrai, me faz acreditar. E eu me traio. Falar que é amor o que eu sinto por ti é pouco menina, é pouco. E definir nosso amor, baixinho, é bobagem."

Leh Soares
"Ainda bebo muito café e leio bastante, mas nada é como antes. O café parece sempre meio frio e a cada página do livro eu olho por trás do ombro esperando que você venha confundir minha cabeça. Nunca pensei que saberia no sentido literal o que saudade significa, mas agora tudo me faz sentir sua falta."
Tenho uma mania irremediável de achar que sempre sei o que é melhor pra mim. Mania de achar que consigo prever quais serão ao meus desejos num futuro distante, ainda que volta e meia me surpreenda com a diferença entre eles de uma semana pra outra. Sempre soube que tenho muito pra aprender, mas sabe, faz pouco tempo que passei a cogitar a possibilidade de que talvez eu não seja uma pessoa problemática. A possibilidade de que talvez eu seja simplesmente nova demais pra achar que me conheço tão bem assim. Nova demais pra tudo isso.

domingo, 2 de outubro de 2011

Divagando ao som de Adele - Someone Like You / Set Fire to The Rain

As vezes você pega caminhos que ninguém vê. E você passa. E transpassa, trespassa. E você divaga e vaga silenciosamente por aquele vale que nem sabia que ainda existia. Você não queria saber. Aí você volta. E dá saudade. De repente dá saudade. Uma saudade que você não quer sentir. Uma saudade que você não pode sentir. E dá um sentimento meio Caio Fernando Abreu, aquele de sempre reticências, vírgulas e nunca pontos finais. O que dá, aliás, é um misto de sentimentos que você não entende. Você não quer entender. Não quer falar. E nem vai.
Você se demora um pouco. Esquece da realidade que construiu. Esquece até sentir um medo tão avassalador que te faz correr dali, fingindo realmente acreditar que essa foi a última vez.