terça-feira, 23 de abril de 2013

"Não me aproximo porque, veja bem, sabe lá quem habita a tua solidão. Hesito. Recuo. Me afasto tristíssima. E te imagino em poses e sorrisos, voz grave e cabelos desgrenhados, preso nas minhas fantasias mais loucas e movimentadas. Numa delas sou um bichinho invisível, com asas, que adentra tua casa e te observa em segredo. Faço o contorno do teu corpo todo com os olhos, parada contra a parede do teu quarto, imóvel, enquanto tu te atiras na cama. Cansado. Tu olhas para o teto imaginando mil coisas, memórias, compromissos, desejos, saudades. Te fito com dor. A luz do abajur faz sombra na tua pilha de livros, que folheei um dia e quis pedir emprestado mesmo sabendo que não havia intimidade para pedidos. Por razões que desconheço, nossas aproximações foram sempre pela metade. Interrompidas. Um passo para a frente e cem para trás. Retrocessos. Descaminhos. Procuro sinais de algum amor teu. Vestígios de noites passadas. Tu não me vês, estou incógnita a te observar. Como sempre estive, olhando pelas janelas, de longe, coração apertado. Nós poderíamos ser amigos e trocar confidências. Assistiríamos a filmes, taça de vinho nas mãos, e tu me detalharias as tuas paixões e desatinos. Nós poderíamos ser amantes que bebem champanhe pela manhã aos beijos num hotel em Paris. Caminharíamos pela beira do Sena, e eu te olharia atenta, numa tentativa indisfarçável de gravar o momento e guardá-lo comigo até o fim dos meus dias. Ou poderíamos ser apenas o que somos, duas pessoas com uma ligação estranha, sutilezas e asperezas subentendidas, possibilidades de surpresas boas. Ou não. Difícil saber. Bato minhas asas em retirada. Tu dormes, e nos teus sonhos mais secretos, não posso entrar. Embora queira. À distância, permaneço te contemplando. E me pergunto se, quem sabe um dia, na hora certa, nosso encontro pode acontecer inteiro. Porque tu és o único que habita a minha solidão."

Caio Fernando Abreu
Sinto a gravidade um pouco fora do lugar. Escrevo prosa, ainda que presa. Mesmo a densa fumaça cinzenta percorrendo meus pulmões não foi capaz de aliviar o peso do mundo em minhas costas. A meia-luz desse final de tarde soa melodramática, um tributo às tênues nuances da vida real, aos tons de se estar vivo e pulsante.

Tive um sonho ruim e tenho pensado muito em você. E junto eu sinto a gravidade se deslocando sem permissão, se posicionando e pressionando e esmagando toda a fragilidade nua que há pouco descobri em mim. Queria te dizer que faz falta a tua estrutura pequena-e-doce-e-frágil-e-encantadora-e-apaixonante abrigada em mim. Que o teu perfume afeta meu estômago e meu peito, deixando um sabor lento, intenso e todo dono de um deleite agridoce.

Era para você ter ficado por mais tempo. Para ter me abraçado mais uma vez. Um desses que se intensifica no meio do caminho, meio urgente pra que o tempo não teime em se acabar tão rápido ou ainda pior, em passar devagar e se revelar suspeito. Quis te dizer que a noite não devia acabar sem que eu pudesse cruzar de novo com o teu olhar perdido em mim por um instante, te sentindo mais pulsante.

"Fica mais, não vai com ela". E não fica triste assim. Aqui tem alguém entregue ao teu sorriso. Fica aqui do lado, deixa que eu te faço bem. Esquece de tudo que não pode ser esquecido só agora e vem dançar. Olha para mim mais uma vez e entende que em silêncio eu te peço pra ficar. Por favor, não vai agora. Assim que você cruzar por aquela porta eu vou sentir a tua falta e a falta desse universo que você me apresentou - esse em que eu me encontrei viva, querendo me encaixar."

Fevereiro de 2013.

#meu bem,

Para arrancar sorrisos em uma tarde ensolarada de brisa fria ao som de Bon Iver. 

Sabe,

eu poderia facilmente colocar a culpa de meu sumiço iminente na prolongada falta de internet em minha nova casa. Ela tem sido, pra falar a verdade, um ótimo álibi pra postergar gentilmente alguns abacaxis dos quais não sinto a mínima vontade de tirar a casca no momento. Pra você, convenhamos, eu não preciso mentir. Nunca precisei. A verdade é que não tenho escrito uma só palavra nos últimos tempos. E não me interprete mal. Não é como de costume até então. Isso não tem sido nem um pouco ruim, tampouco esmagador ou dolorido. Meu processo acabou por dar um descanso às palavras. Ando mais entretida com cores, notas e aromas. Fui bem injusta, eu sei. Te escrevi fragmentos de uma história dolorida e com resplandecentes reticências que não me dei ao trabalho de completar. Não consegui. Falha minha e que bom que não me julgas. Sei que não. Precisava te dizer, travando uma batalha pessoal contra o silêncio que teima em escorrer pelos dedos, que não foi por mal – e que eu sei que sabes disso.

Tenho uma incontável porção de coisas pra dividir contigo. Agora eu moro em um templo de frente para o mar. Gosto de vê-lo como um refúgio. Um refúgio pra alma. Aqui o tempo passa diferente – pra não dizer que ele simplesmente não existe - e as hostilidades lá de fora não passam da porta – e tampouco das janelas, é claro. Das janelas, aliás, recebemos apenas os raios do sol, o vento, os sussurros do mar e algumas gotas de chuva que insistem em entrar pela vedação precária entre os blocos de vidro. Detalhe.

 Nessa nossa construção, as estruturas são inquebrantáveis e paira uma aura mágica de muito amor, de coletividade, de família. Aqui eu assisto os nasceres de sol quase todos os dias. Passo tardes, noites e madrugadas compartilhando energias, conversas, delícias, refeições magníficas, vinhos – tenho tomado ótimos vinhos - e, porque não dizer, confessando saudades de você. Lembro de ti quando sento ao redor da mesa de centro com uma caneca fumegante de café forte, – agora meu café não é mais adoçado, aliás - acompanhada de bons livros, incensos e, nesses dias gélidos, de um cobertor.

Moro com duas.. – como defini-las? – Duas partes de mim. Somos três, formando um. Um único, lindo e substancial elemento multicolorido. Um quatro.

Tenho ido à praia todos os dias, seja pra mergulhar, observar o pôr do sol ou dar uma voltinha de bike. Imagino que saibas o quanto o contato com Iemanjá tem me guiado e me feito bem. Me sinto acolhida. Quando bate um vento, aliás, eu percebo que as pontas dos meus cabelos já alcançam bem mais longe do que alcançavam da última vez que nos encontramos. Muito tempo se passou, não? Ando meio nula a esses dados estatísticos, mas sinto que sim.

Tenho trabalhado pouco, algumas noites aqui e acolá. Sirvo mesas, sirvo pessoas, sirvo felicidades e sou retribuída, em sua grande maioria, com sorrisos. Sabe, servir tem me feito muito bem. Ganho exatamente o dinheiro que preciso pra não ter de me preocupar com essa chatice de “preciso ganhar”. Tem sido bem melhor assim.

Em meu tempo livre, passeio por um processo profundo de “entrar em contato”. Esse fica pra uma próxima conversa - por ser parecido com nossos abraços; rico em expressões, silêncios e complexidades aquéns ao nosso limitadíssimo dicionário. Adianto só que me sinto mais conectada, pulsante e integral do que nunca. 

Não vá se enganar, é claro. Continuo com aquele turbilhão interno que conheces bem e os mesmos olhos ressacados de que gostas. Mas, em prol de não perder a sanidade diante de incertezas futuras, tenho vivido o tempo presente e praticado as leis do desapego sempre que possível. Tenho sentido uma fé inabalável no universo e na felicidade que foi reservada a mim, a nós. Tenho me perguntado por onde andas. Confesso que, hoje, saudades eu guardo pouquíssimas. A de ti, entretanto, se manifesta a cada matiz de céu que observo por aqui. É, sem sombra de dúvidas, uma das mais carinhosas que coleciono.

Com a doçura presente em todo amor do mundo, sem mentiras,
Emma.