quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Papo de boteco

..E depois de gastar os tênis até o limite da exaustão, parei no único canto da cidade que me soava familiar.
Ela já me vira antes e, por  alguma razão que desconheço, aprendera instantaneamente a ler o meu olhar. Coisa rara, digo, aquela familiaridade.

Adiantei-me frente a expressão preocupada:
- Olha, tu sabes bem que normalmente eu escolho um chá, mas hoje eu quero um par de cervejas geladas e um maço do cigarro mais forte, por favor.
- Dia difícil, hã? - Perguntou com um sorriso solidário.
- Não fazes ideia, viu?
- Sorria, já é fim do dia. - Disse ela ensaiando uma firula desengonçada e entregando meu pedido já cuidadosamente embrulhado em uma sacola.
- Ai. - Respondi quase que puramente por impulso.
- Alguma dor?
- Olha, moça, depois de tudo? Doem os meus joelhos.
- Ah, sei bem como é. Descansa que o amanhã é sempre um novo dia.
- Sim. É sempre um novo dia... e quem sabe um dia chega o dia que.
- O dia que?
- Sim. O dia "que!" - Arregalei os olhos.
- Ah, claro.. o dia que. Ele chega sim, pode acreditar. - Lá estava ela lendo meus olhos, ou, desconfio eu, algo além deles - São 14 reais. Mais alguma coisa? - Me agradava muito aquela ética profissional.
- Não, não. É só isso. Por hoje deu, entende? - Respondi com uma certeza latente de que não estávamos falando sobre a mesma coisa.
-  Então uma boa noite, viu?
- Obrigada, igualmente. Há de ser, aliás, sei que sim.
Ofereci um sorriso cansado, porém otimista. Naquela altura do campeonato, era a única coisa que eu ainda tinha para oferecer.

Foram os meus joelhos cansados e doloridos que, sem reclamar, me trouxeram até em casa.

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