quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Era tarde da noite e finalmente já não havia mais nada a ser feito. Por detrás das vidraças se podia ver os primeiros raios de sol. Veja bem, para os trabalhadores noturnos a noite vai muito além da escuridão.

Entreguei o malote rotineiro e desejei-lhe um bom descanso. Conferindo os dados recém recebidos, desejou-me o mesmo. Já estava mais porta a fora que porta adentro quando ouvi sua voz novamente.

- Chegou bem em casa ontem? Fiquei preocupado.
- Cheguei sim. - Fui pega de surpresa pela indagação e pensei imediatamente que talvez devesse acrescentar mais alguma coisa para não parecer rude. - É perto, nem tem porque se preocupar.
- Fui até em casa no pau pra buscar um outro capacete, mas na volta já não te encontrei.
- Viu? Eu disse que era perto. - Ri. - Poxa, não precisava se preocupar, mesmo.
- Posso fazer uma pergunta?
- Claro. Pergunte.

Fez-se silêncio por alguns instantes.
- Tu achou que em algum momento dos últimos tempos eu estava dando em cima de ti?
- Não. Claro que não. Nem te preocupa com isso. - Menti descaradamente. Relações profissionais são relações profissionais, salientei em minha mente.
- Poxa. Então acho que não fui claro o suficiente. Eu estava.

Boquiaberta e estática frente a tanta franqueza, balancei a cabeça nervosamente. Lembrei que só restávamos nós dois ali e me senti desconfortável.
- E eu menti. - Soltei o ar bruscamente em algo que soou como uma risada mal sucedida e movi os cabelos a fim de cobrir ligeiramente o rosto. - Eu achava que sim, de fato. - Completei erguendo os olhos e mudando imediatamente a expressão na tentativa de esconder a vulnerabilidade que deixara escapar há milésimos de segundos atrás. Duvidei que adiantaria de alguma coisa.

Percebendo a mudança brusca, ele completou bagunçando os cabelos até então impecavelmente penteados:
- Pô, perdão, Gata. Só perguntei porque quero selar um acordo de paz.
Permaneci em silêncio e encarei seus olhos quase em tom de afronta.
- Olha, - ele continuou. - a verdade é que é impossível não me sentir atraído por essa "wild thing" que você carrega escondida por trás dessa fachada doce que engana a quase todo mundo por aqui. Mas eu sei também que diante da minha posição não posso nem pensar em qualquer coisa, então, podemos ser amigos?
- Relações profissionais são relações profissionais. - Repeti em voz alta dessa vez. - Mas confesso que não seria nada mal ter um amigo por aqui. Sabe, tem feito dias difíceis.
- Ô, se sei. Amigos? - Perguntou-me oferecendo um capacete.

Segurei o capacete pela outra extremidade e respondi sorrindo:
- Amigos.


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