quinta-feira, 12 de setembro de 2013

#O mundo e ela

Eu acho que ela nunca percebeu, mas o mundo inteirinho foi feito sob medida pra ela. Todos os dias eu observo tudo o que ela faz de pertinho. Quando abre os olhos preguiçosos e inchados, o sol brilha mais forte pela janela sem cortinas do quarto dela. Enquanto ela se espreguiça lânguida e vagarosa pela cama, o mar fica azul-brilhante e avança um pouquinho mais que o normal só pra ver se faz ela olhar pro lado. E ela sempre olha. E sempre sorri.

Quando ela levanta e vai direto pra cozinha colocar o café pra passar, ainda com os cabelos desgrenhados, o café passa no tempo exato de encher a casa com aquele cheirinho que ela adora exatamente no momento em que ela abre a porta do banheiro, já penteada, perfumada, toda prosa e poesia. No café da manhã, as frutas mais doces se jogam nas mãos dela, só pra equilibrar o café puro e amargo que ela toma.

Toda vez que ela sai de casa eu tenho a impressão de que até o próprio apartamento sorri pra ela. Pode ser coisa da minha cabeça, mas se você visse a quantidade de sorrisos que ela arranca pela rua, acredito que concordaria comigo.

O elevador chega até a portaria no tempo exato pra que ela dê uma arrumada no cabelo. Não existe um só porteiro que não abra um sorriso bonito e deseje bom-seja-lá-que-turno-for quando ela passa. E eles falam que é bom encontrar com ela de novo, e perguntam como anda o dia, e abrem a porta, e continuam sorrindo por alguns milésimos de segundo mesmo depois que ela se vai.

Quando ela chega na rua, pode ser só obra dos meus fones de ouvido, mas eu acredito que toque uma trilha sonora daquelas bem bonitas. E ela não anda, ela dança. Acho que é por isso que todo mundo passa e olha pra ela.

O senhor da padaria puxa papo quando ela chega e fica desanimado quando ela se despede e segue seu caminho. E o cliente que espera na fila não fica irritado porque se perde ao observar a simpatia e o carisma dela. Ela é gentil, é doce. Quando cantarola pela rua, tenho pra mim que a doçura escorre, gruda nos pés e contagia quem tá perto dela.

É só ela chegar na praia, que Iemanjá começa a brincar com o mar porque sabe que ela adora acompanhar as voltinhas d'água na faixa de areia enquanto pedala.

As nuvens dão licença e o sol se exibe pra aquecer o corpo dela porque todos eles sabem que ela não gosta de passar frio. E quando a temperatura resolve baixar, o mar assume um tom extasiante de azul turquesa e o céu vai ficando laranja e roxo e vermelho e amarelo, tudo pra pedir perdão pelo vento frio. E ela perdoa. Ela sempre perdoa.

Depois disso ela volta pra casa suada, mas nem assim perde o cheiro e a doçura que ficam no ar quando ela passa. E todos no prédio ficam felizes em ver que ela voltou. E a vizinha diz que sentiu falta dela na academia nesses últimos dias.

Ela sai pra ir no mercado no início da noite com um moletom que mais parece pijama. Mesmo assim, de cara lavada e despretenciosa por atenção, na porta de entrada um menininho mostra pra ela o desenho que fez na escola naquela tarde. Ela segura os cabelos e se abaixa, ele sorri pra ela. A mãe da criança sorri e pede que o filho deixe ela em paz, forçando-o a caminhar enquanto ele continua olhando fixamente pra trás, pro sorriso dela.

E todos dentro do mercado sorriem pra ela. Ela deixa o carrinho de compras atravessado no meio do corredor, mas ninguém liga. Ela esquece uma sacola de legumes no balcão e um moço simpático leva até ela. Os cartões não estão passando naquele dia e o caixa pede desculpas antecipadamente, mas o dela passa sem problema nenhum.

Ao chegar em casa, tenho pra mim que a janela da sala oferece a lua pra ela. E ela sempre olha. E sempre sorri.

A noite chega pra acompanhar a mente inquieta dela, até que ela se canse e resolva dormir. E acredito mesmo que a madrugada só existe porque jurou pra Deus que estaria sempre ali pra vigiar de perto o sono e a insônia dela.

No dia seguinte, amanhece e começa tudo outra vez.

É por isso que eu acho que o mundo inteirinho foi feito sob medida pra ela. E mesmo assim eu acho graça que ela, quietinha, confia sua dor a mim e afirma, entre lágrimas doloridas, que tem certeza absoluta de não ter sido feita pra esse mundo.

Não foi mesmo, menina. O mundo inteirinho que foi feito sob medida pra você.

Um comentário:

  1. Garota, que texto bonito! Tão sensível, me amarrei. Sob medida para um dia como hoje. Beijo!

    ResponderExcluir