quarta-feira, 17 de julho de 2013

"(...)Reconheci assombrada os círculos celestes da minha infância. Uma mandala. Fiquei particularmente emocionada com um desenho que ele havia feito no Dia do Soldado. Nunca tinha visto nada parecido. O que também me impressionou foi a data: dia de Joana D'Arc. O mesmo dia em que eu havia jurado ser alguém na vida em frente a sua estátua. Contei isso, e ele me respondeu que aquele desenho era um símbolo de seu compromisso com a arte, feito no mesmo dia. Ele me deu o desenho sem hesitar e compreendi que naquele breve intervalo de tempo havíamos aberto mão de nossa solidão, substituindo-a pela confiança mútua. (...) A premissa era simplesmente que um de nós sempre tinha que estar atento, sendo o protetor escolhido. Se Robert tomasse uma droga, eu precisava estar presente e consciente. Se eu estava deprimida, ele precisava estar animado. Se um adoecia, o outro ficava saudável. No começo fraquejei, e ele estava sempre lá com uma palavra de estímulo, coagindo-me a sair de dentro de mim mesma e mergulhar no meu trabalho. Mas ele também sabia que eu não falharia se ele precisasse que eu fosse forte. (...) No meu aniversário de 21 anos, Robert me fez um pandeiro, tatuando a pele de cabra com signos do zodíaco e amarrando fitas multicoloridas na base. Colocou Tim Buckley cantando Phantasmagoria in two, então se ajoelhou e me deu um livrinho sobre tarô que ele havia reencapado com seda preta. Dentro havia escrito alguns versos, retratando-nos como a cigana e o louco, uma criando o silêncio; o outro ouvindo o silêncio atentamente. No turbilhão retumbante de nossas vidas, esses papéis se inverteriam várias vezes. (...) Ele me escreveu um bilhete dizendo que faríamos arte juntos e conseguiríamos, com ou sem o resto do mundo."

Patti Smith, Só garotos.

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