Uma e dez da tarde, a caminho de uma reunião de trabalho.
- Eu concordo com Arnaldo Jabor. Amor é amor e sexo é sexo. –
Disse de repente.
Parei de pronto. O quê ela quis dizer, afinal? Trabalhávamos
juntas a cerca de sete meses, mas assuntos tão particulares nunca fizeram parte
de nossa pauta. Como um relacionamento diário pode ser superficial, percebi.
Ainda assim, sempre nos demos muito bem. Havia nela um misto de liderança e
doçura facilmente identificáveis. Sem tirar os olhos da estrada, respondi:
- É. Eu também.
Ela, como que em um rápido devaneio, virou os olhos em
direção à paisagem que se movia rapidamente e deixou que a mão que segurava
firmemente o Iphone pendesse livre em seu colo. Já não esperava respostas
quando meu pensamento foi interrompido:
- Não que eu ache que um não possa estar no outro, bem pelo
contrário.
Aquilo soou como a justificativa a um comentário impulsivo. Sem
entender o propósito do nosso precário quase-diálogo, incentivei:
- Concordo. Esse é o tal equilíbrio, não?
Seus olhos se voltaram em direção aos meus pelo espelho
retrovisor:
- Exatamente. Um amor para dar certo por longa data precisa
ser calmo. Como um mar tranquilo, onde, por cima das pequenas marolas,
enxerga-se claramente a imensidão.
No alto de 12 anos de um casamento aparentemente feliz, ela deve
saber do que está falando, pensei. Pensamentos surgiam em minha mente de quase recém-casada
e, enquanto minha cabeça borbulhava, eu me mostrava exageradamente concentrada
no caminhão que rodava a apenas alguns metros de nosso carro.
- Eu fui casada por 6 anos antes de conhecer meu atual
marido. – Continuou. – Ele era magrelo, estrábico, aliás, muito estrábico, mas,
por alguma razão, algo me dizia que “era ele”.
Fiquei hipnotizada pela revelação inusitada.
- Eu era bem nova quando nos conhecemos, tinha 18 anos. Nos
envolvemos muito rápido e nos apaixonamos perdidamente. Era intenso e, por
isso, acabava se tornando caótico. Sabe, o caótico não é duradouro.
Já não havia a necessidade de mais palavras para que aquilo
se tornasse uma confissão. Eu não faria perguntas. Ela continuou:
- Acho que eu fui sacana com ele. Vivíamos em uma cidade
próxima daqui e ele recebeu uma proposta irrecusável em São Paulo. Como eu
trabalhava também, incentivei que ele fosse antes para “preparar o terreno” e
eu iria em seguida. Nunca fui.
- Acredito que a sacanagem maior seria privá-lo da
oportunidade, não? – Dei força.
- Não sei. As coisas já estavam insustentáveis. Ele cogitou
voltar, mas eu estava certa de minha decisão. Alguns anos depois eu conheci meu
atual marido e casei cerca de um mês depois. – Instantes incontáveis de
silêncio. Tive dúvidas sobre o suposto futuro da conversa: talvez fosse o
momento perfeito para mudar de assunto. - Num dia qualquer, - ela continuou -, cruzei
com ele no elevador do trabalho. Ficamos brancos e trocamos meia dúzia de
palavras mecanizadas. Saí no quarto andar e demorei uns dois minutos para me
reestabelecer. Pouco tempo depois, cruzei com ele na feira. Dessa vez com o meu
filho. Após as devidas e embaraçosas apresentações, fiquei sabendo que ele agora
morava em Blumenau, em um apartamento próximo a minha casa.
Silêncio total.
- Irônico, não é? Apesar disso, nos cruzamos apenas mais uma
ou duas vezes. Meu coração bate mais forte só de lembrar. Faz uns dois anos que
não sei por onde ele anda.
Fiquei ouvindo o ronco discreto do motor.
- Tem coisas que são muito loucas. Não passam. E eu não me
arrependo de nada, sabe? Sou muito feliz e amo muito. É por isso que eu digo:
Amor é amor e sexo é sexo.
Pensei na tamanha complexidade que os relacionamentos inevitavelmente envolvem e só consegui dizer um “É” seguido de silenciosas reticências.
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