terça-feira, 10 de abril de 2012

REDATORSAURUS REX

Pandas, ursos polares, arara azul… a lista de indivíduos do reino animal ameaçados de extinção cresce de forma alarmante. Muito além dos buracos na camada de ozônio ou do fim do mundo previsto pelos maias, o mercado publicitário vem acompanhando com relativa apreensão o gradual rareamento de um dos exemplares outrora mais prolíficos do gênero criativus erectus. Sim, falo do redator. Esse nosso herói, que desde o surgimento da espécie homo sapiens era tido como a parte sapiens da dupla de criação, e que num passado recente praticamente dominava o mundinho da propaganda, tem dado claros sinais de que Darwin continua causando.

Antes que você, amigo não-redator, engasgue em sua própria bílis, deixe-me dizer que a primeira piada que ouvi sobre a nossa profissão foi contada por um diretor de arte e era assim: redator vira o que? vira diretor de criação; diretor de arte vira o que? vira a noite trabalhando. Óbvio que essa anedota já não faz o menor sentido, o que só confirma o que estou dizendo. Pode pesquisar nas turmas das faculdades de publicidade. Além da diminuição do interesse dos estudantes pela área de criação, dentre os poucos que ainda se arriscam ao ofício de refazer campanhas, a maioria tem optado pela direção de arte.

Já que me arvorei a escrever sobre isso, é inevitável que eu tente teorizar sobre o fenômeno. A verdade é nua e crua: na maior parte das vezes, ser redator é muito chato. Diferente do diretor de arte, o redator costuma ter hábitos mais, digamos, introspectivos. Ele não consegue elaborar textos e ouvir música ao mesmo tempo. Não dá, os canais de atenção para as letras das músicas e as teclas do computador são os mesmos. Por falar em computador, outra diferença brutal está nos programas. É até covardia comparar word com photoshop. A tela do diretor de arte é quase uma Disneylândia, os recursos são infinitamente maiores e mais divertidos. Aliás, muito diretor de arte parece saído da Disneylândia. É uma profusão de bermudas coloridas, de piercings, de tatuagens… Ok, tem as tatuagens do Rodolfo Amaral, que é redator, mas ele é uma exceção, talvez seja o elo perdido, não sei. A regra é que optar por ser redator é praticamente assumir um anacronismo atávico.

Aliás, quem lê textos, hein? Aliás do aliás, quantos estagiários de criação hoje se propõem a ler bons livros para desenvolver uma boa escrita? Pra piorar, a internet distancia cada vez mais a linguagem dos signos que o redator usa como ferramenta principal do seu trabalho. Saka só o q é iço, véi?

Está faltando redator na praça e vai faltar ainda mais nos próximos meses. Exato, a cada dois anos os indivíduos mais experientes dessa espécie (leia-se “quarentões”) migram em bandos para trabalhar em campanhas políticas, e os que não aderem a esse movimento migratório são caçados feito brigadeiro em festa de criança.

Mas a redução na oferta de bons profissionais de texto não tem afetado só as agências de publicidade. Basta lembrarmos que a música de maior sucesso hoje no mundo tem uma letra que diz: “Nossa, nossa, assim você me mata / Ai, se eu te pego, ai, ai, se eu te pego”. Até a Amy Winehouse viu-se às voltas com esse problema e, na falta de um bom redator por perto, teve que usar vários “nonono” na sua música mais conhecida. Triste.

Marcelo Amorim

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