segunda-feira, 13 de junho de 2011

O gosto do desgosto

"Chovia, chovia, chovia e eu ia indo por dentro da chuva ao encontro dele, sem guarda-chuva nem nada. Parece falso dito desse jeito, mas bem assim eu ia pelo meio da chuva, uma garrafa de conhaque na mão e um maço de cigarros molhados no bolso. Eu enfiava as mãos avermelhadas no fundo dos bolsos e ia indo, eu ia indo e pulando as poças d'água com as pernas geladas. Tão geladas as pernas e os braços e a cara que pensei em abrir a garrafa para beber um gole, mas não queria chegar na casa dele meio bêbado. Não queria que ele pensasse que eu andava bebendo, e eu andava. E fui pensando também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu andava, estômago dolorido de fome. E eu não queria que ele pensasse que eu andava insone, e eu andava, roxas olheiras. E tudo que eu andava fazendo e sendo eu não queria que ele visse nem soubesse. Depois de pensar isso me deu um desgosto porque fui percebendo (...) que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era. "

C.F.A.

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