terça-feira, 28 de junho de 2011

Dois mares inteiros

"Era eletricidade. Esse foi o primeiro erro: definir. Mas que era, era.
Parecíamos duas almas cansadas. Duas daquelas que carregam um ar de quem viveu demais, sofreu demais, brigou demais e amou demais.
(...)
Sempre que nos encontrávamos, apesar de nossas caras de tédio habituais, havia uma faísca que acendia em nossos olhos, revirava nossos estômagos e nossos ânimos (no caso dela de mar revolto e, no meu, de Capitu).
Uma faísca daquelas únicas e capazes de ressuscitar nossos desejos mais carnais, reprimidos, irônicos, absurdos, irracionais e - porque não dizer - brutais, maldosos e adormecidos em nossos semblantes blasets. Veja bem, na idade em que estávamos, três semanas de dias cansativos já pesavam consideravelmente em nossos traços.
Nosso aspecto era de duas quase mártires da nova geração. Mártires do rock. É, esse título até que combinava com a gente. Por que? Porque tava tocando Foo Fighters, ou, bom, não tava tocando nada.
(...)
É isso mesmo, nem faz tanto tempo assim, mas parece que faz. Tem gente que para no tempo e insiste no que já era... e isso não faz muito meu estilo, irmão.
Enfim: a faísca. Uma faísca louca que me dominava sempre que eu via aqueles olhos revoltos (e revoltos é diferente de revoltados). Que me queimava sempre que eu ouvia ela falar. Os dois juntos então, nossa, tiro e eu no chão, caída. Ela? Ah, eu não sei o que tinha em mim que atraía ela, mas ela sempre disse que tinha, ou melhor, disse que tinha desde sempre. Deu pra entender?

A diferença daquele dia pra todos os outros dias foi bem essa, irmão. Ela disse. Eu disse. E depois que a gente disse, não dava mais pra fingir que a gente não sabia de nada. É um caminho desses sem volta. Desses que em dois toques, se não cuidar, acaba tudo no mesmo beco: escuro, úmido, podre, nojento e sem saída.
Na real, foi uma situação daquelas desnecessárias, que nem precisariam acontecer se a gente não fosse tão afim de brincar com o fogo, sabe? Mas a gente é. Acho que a gente sempre foi. Coisa da idade, Man.
(...)
Não. A gente pegou no sono e acordei com ela me beijando. Nem foi surpresa, não. Eu já tava pensando naquele beijo mesmo antes de dormir. Não conseguia respirar, nem queria, na real. O corpo formigava e o instinto já tinha tomado conta de mim, da gente. Foi forte, Man. Ah, forte porque eu beijei como se fosse a pendência mais urgente da minha vida. Louco mesmo. Ela? Ela retribuiu. Parecia na mesma vibração. Sim, uma puta vibração. Choque. Cadeira elétrica. Mortal.

Eu puxei ela pelo cabelo e quando vi já tava com ela em cima de mim. Daqueles beijos que empurram contra o travesseiro enquanto você faz força com a cabeça pra direção oposta, sem parar de beijar. Eu queria sim, não ia recuar. Sou assim mesmo. E como eu queria. Queria tudo, queria inteira.
Quente. Era o que a gente tava. O toque era quente, quase fervendo, explodindo. A mão dela começou a procurar meu corpo. Sim, não tinha muita roupa, era verão. Eu arranhei, finquei as unhas e mexi o corpo pra facilitar o lance de puxar minha blusa pra cima. Involuntário.
Eu? Fui no fluxo. Queria ela inteira. Morder a orelha, respirar alto e rápido demais, suspirar e ouvir besteiras. É, porque eu morro com a voz dela.
Depois? Bateram na porta. Bom, aí eu tomei uma xícara de café, fumei um cigarro e... o que eu tava dizendo mesmo?! O que.. eu.. tava.. Ah, eu tava dizendo que tomei uma xícara de café ruim, fumei um cigarro, dei um sorriso, virei e fui embora. Mesmo semblante de tédio e os mesmos olhos de mar ressacado. Acabou ali.

Meu alter-ego I contando histórias.

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